Costa Marques contou ter feito
viagens a São Luís para discutir os repasses com o ex-secretário da Casa Civil
do Maranhão Luiz Fernando Moura da Silva, apontado como intermediário de Lobão.
Em um dos encontros, no fim de
2012, Lobão solicitou que entre R$ 600 mil e R$ 800 mil fossem levados à
capital federal “de forma urgente”. Os recursos, segundo ele, foram
providenciados por Rodrigo Brito, que viajou à cidade e lhe entregou uma
mochila com a quantia em espécie.
BRASÍLIA - Em depoimento prestado no mês passado à
Polícia Federal, o ex-gerente de Relações Institucionais da Camargo Corrêa
Gustavo da Costa Marques afirmou ter omitido informações da Operação Lava Jato
para seguir “versão estabelecida” pela empreiteira. Ao retificar as
declarações, o executivo disse ter escondido dos investigadores a participação
de um empresário, apontado como operador do PMDB no esquema de corrupção nas
obras da Usina de Belo Monte. Além disso, acrescentou ter pago propina em
dinheiro em espécie ao senador peemedebista Edison Lobão (MA), que na época era
ministro de Minas e Energia do governo Dilma Rousseff.
Costa Marques, que trabalhou por 16 anos para a
Camargo, é um dos colaboradores do acordo de leniência firmado pela construtora
e vários de seus dirigentes com o Ministério Público Federal (MPF) no Paraná.
Em 2011, ele passou a ser o responsável pelo escritório de representação da
empresa em Brasília e a ter ligações com Lobão. A ex-mulher de Costa Marques
exerce desde o ano passado cargo comissionado no gabinete do senador
peemedebista.
Os
delatores da Camargo admitiram que 1% do valor do contrato da usina, tocado
pela empresa em consórcio com a Andrade Gutierrez e a Odebrecht, era repassado
a políticos do PT e do PMDB. Conforme depoimentos já revelados, ao menos R$ 2
milhões foram pagos a Lobão por, supostamente, ter ajudado a criar o consórcio
e para que não impusesse obstáculos à obra. O caso é investigado em inquérito
sigiloso no Supremo, sob relatoria do ministro Edson Fachin.
Para que os recursos chegassem ao então ministro, a
Camargo teria feito dois contratos falsos com a AP Energy Engenharia e
Montagem, entre 2011 e 2012. A empresa, com sede em Santana de Parnaíba, na
Grande São Paulo, não teria prestado serviços, mas apenas recebido os recursos
para repassá-los ao peemedebista.
À PF, Costa Marques disse que, a mando do
ex-diretor da Camargo Luiz Carlos Martins, também delator, ajudou a montar a
operação de pagamento das propinas ao PMDB. Contou ter feito viagens a São Luís
para discutir os repasses com o ex-secretário da Casa Civil do Maranhão Luiz
Fernando Moura da Silva, apontado como intermediário de Lobão.
Reinquirido
Em dois depoimentos, prestados em junho, o
ex-gerente de Relações Institucionais da empreiteira afirmou que sua
participação se limitou a viagens e a apresentar Fernando Brito, um dos donos
da AP Energy, aos seus superiores na Camargo para a contratação fictícia. Ele
chegou a dizer que não sabia se Lobão era o “destinatário final dos valores”.
Em outubro, ao ser reinquirido, o delator disse, no
entanto, que não confirmava na íntegra as declarações anteriores, “pois elas
seguiram versão estabelecida pela Camargo Corrêa”. E se prontificou a
“restabelecer a verdade sobre os fatos”.
Costa Marques disse que foi com Rodrigo Brito,
filho de Fernando Brito, que manteve tratativas em nome da AP. Afirmou que
omitiu a participação do operador para “protegê-lo”. Além disso, admitiu ter
tratado diretamente com Lobão do pagamento de propinas em quatro reuniões na
casa do então ministro, em Brasília, entre 2011 e 2012.
‘Maços de dinheiro’
Costa Marques revelou que em um desses encontros,
no fim de 2012, Lobão solicitou que entre R$ 600 mil e R$ 800 mil fossem
levados à capital federal “de forma urgente”. Os recursos, segundo ele, foram
providenciados por Rodrigo Brito, que viajou à cidade e lhe entregou uma
mochila com a quantia em espécie.
Costa Marques disse que “acondicionou os maços de
dinheiro em uma caixa e o conduziu imediatamente à residência do ministro
Lobão, tendo-o entregue a ele próprio”. Afirmou ainda que Lobão não se
preocupou em contar as notas e abriu a caixa para que o ministro “se
certificasse do conteúdo”.
A mudança de versão ocorre em um momento em que a
Lava Jato faz um recall para que executivos da Camargo e de outras empreiteiras
contem detalhes que não revelaram em seus primeiros depoimentos de delação, mas
foram citados por outros colaboradores. Os advogados do ex-secretário Luiz
Fernando Moura da Silva pediram na semana passada que o acordo de Costa Marques
seja anulado por causa das “mentiras” nos primeiros depoimentos.
Costa Marques é filho de Glaucos da Costa Marques,
primo do pecuarista José Carlos Bumlai, preso pela Lava Jato e amigo do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Glaucos comprou uma cobertura vizinha
à do petista em São Bernardo do Campo e a alugou para ele. A Lava Jato
investiga se o imóvel foi pago pela Odebrecht.
Defesas
As defesas do senador Edison Lobão (PMDB-MA) e do
ex-secretário da Casa Civil do Maranhão Luiz Fernando Moura da Silva sustentam
que a colaboração de Gustavo da Costa Marques tem de ser anulada por ele ter
admitido que “mentiu” em depoimentos supostamente orientados pela Camargo
Corrêa.
“Ou você fala a verdade ou perde o direito à
delação. Nesse caso, não houve espontaneidade”, afirmou nesta segunda-feira,
14, o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que representa
Lobão. Ele negou que seu cliente tenha recebido “qualquer coisa” do executivo e
se disse “perplexo” com a mudança de versões. “Não pode haver recall.”
Os advogados Daniel Gerber e Bernardo Fenelon, que
defendem Silva, alegam que o acordo de Costa Marques está “nitidamente viciado”
e não deve ser mantido. Em petição enviada ao ministro do Supremo Edson Fachin,
eles argumentam que a Lei 12.850/13 impõe como condição de validade o compromisso
de dizer a verdade.
“Tal situação é intolerável. Isso porque a
aceitação de mentiras nesse meio de obtenção de prova tão controverso subverte
totalmente a finalidade jurídica do instituto da colaboração premiada”, diz o
documento.
A Camargo Corrêa informou que não se manifestaria.
O advogado Celso Vilardi, que representa executivos da empresa, afirmou que
todas as colaborações são verdadeiras e auxiliaram as autoridades. Com relação
a Costa Marques, disse não ter como explicar “porque mentiu” e retificou suas
versões.
Fernando Brito e seus advogados não atenderam aos
telefonemas do Estado. Em depoimento à PF, o empresário admitiu que sua empresa
foi usada no esquema de corrupção. O defensor de Rodrigo Brito, Daniel Bialski,
informou que não poderia comentar as declarações de Costa Marques, pois o caso
é sigiloso. Costa Marques e sua defesa não atenderam aos telefonemas da
reportagem.